O Caldo estava entornado, por Mafalda Soares Pinho
O caldo estava entornado naquele dia de sol, apesar de estar calor
eu não o sentia, e o dia deixou de ser verão. Ficou tudo de pernas
para o ar e as nuvens do céu passaram a ser as ondas do mar. O
vento parou, não mais assobiou, a noite ficou iluminada como se
a lua estivesse acordada. E eu adormecida pensei que não mais
fosses voltar, mas, olha bem para mim, e diz-me se dava para
acreditar. Um jardim de rosas passou a ser de cravos e eu, que não
sabia estar a sonhar, quis esconder-me num lago de sonhos
acabados. Sonhos acabados, desfeitos, interrompidos, desejos
inconscientes que no mundo pairam perdidos. E o caldo
entornado continuou à medida que o tempo ia passando, os
ponteiros não paravam, não sossegavam, enquanto o coração
continuava acelerado. Tique-taque, as horas não perdoam e, a
estrada que não te denunciava, numa imensa escuridão silênciosa
continuava. Por onde andarias tu? Eu não tinha como responder
mas, olha, finalmente há uma presença que me fez renascer.
Chegaste como numa história encantada, qual princípe, qual
herói, e eu esqueci tudo do que reclamava. A inquietude, o amor
destrói.
Mafalda Soares Pinho