A dança das colheres, por Mafalda Soares Pinho
Quando abro esta gaveta tenho de fechar os olhos e respirar fundo... Bem fundo! Nunca percebi para que servem tantas colheres numa casa onde moram só e apenas duas pessoas, ou, melhor dizendo, uma pessoa e meia pois a pessoa sou eu e a meia é aquele que deveria estar a meu lado mas passa mais tempo fora do que em casa. Oh Deus! Eu só quero o raio de uma colher para mexer este café e tomá-lo enquanto está quente. Mas como vou eu encontrar uma colher no meio de tantas colheres que se amontoam por tamanhos e feitios? Colheres de sopa, de sobremesa, de chá, de café. Com o cabo fino ou com o cabo grosso, com feitios ou sem feitios. Não perco mais tempo! Faço aquilo que, penso, deveria ter feito há muito tempo. Tiro a gaveta fora e viro todo o seu conteúdo, dezenas de colheres, no chão. Mas quem é que tem uma gaveta só para as colheres? E o resto dos talheres? Certamente há uma gaveta que os resguarda a todos, juntos, separados das colheres. Quando todas as peças caem no chão, ouço um tilintar frenético que me entra pelos ouvidos e chega ao cérebro numa música quase impossível de ouvir. E elas espalham-se, como numa dança sincronizada que alguém inventou e que elas ensaiaram. Espalham-se num chão de mosaicos nada bonitos agora enfeitados por um quadro de inox e, assim, refletem a minha imagem que, incrédula, continua a pensar como encontrar uma colher para mexer o café.
Mafalda Soares Pinho